segunda-feira, março 10, 2008

Eurolixo



Na minha longínqua adolescência, o festival da Eurovisão era um dos pontos altos do ano. Numa era só com dois canais, a gala portuguesa e a final europeia eram imperdíveis. Algumas canções vencedoras chegavam até aos tops, dos Abba ao Johny Logan, da Sandy Shaw à Sandra Kim. Com a idade o gosto refina-se e relega estas foleiradas para o armário do esquecimento. Mas de há uns anos para cá, o Eurofestival voltou a ser motivo de atenção. Primeiro porque descobri os comentário humorísticos da transmissão da BBC. Mais tarde o escândalo das votações geo-estratégicas (só os espanhóis é que ainda dão pontos às miseráveis prestações tugas), que já levou alguns países a desitirem de participar. Depois porque se tem dado uma pouca subtil mudança para a paródia mais descarada. A vitória dos monstros hard rock satânicos finlandeses foi só a ponta do iceberg. Este ano, a Irlanda é representada por um fantoche peru e a Espanha por um humorista da tv, com peruca rockabily e mini-guitarra de plástico. A gala espanhola intitulou-se "Salvemos a Eurovisão". Cá para mim, não tem salvação possível.

Se eu pudesse votar em Espanha


não tinha dúvidas em votar JL Zapatero. Em quatro anos no poder manteve a Espanha no rumo certo, para longe do atraso endémico do pequeno país vizinho. Sem prejudicar a economia, protegeu os direitos sociais. Criou legislação sobre a igualdade de género e de orientação sexual mais avançada que a nórdica. Investiu na ciência. Batalhou com os resquícios do franquismo, reabilitando a memória dos que se lhe opuseram. Começou a resolver o puzzle complicado das autonomias. Retirou da guerra injusta do Iraque mas não hesitou em enviar soldados para o Líbano, sob a égide das Nações Unidas. Lidou com a imigração com humanidade. Enfrentou o atavismo da Igreja Católica. Tentou resolver o problema insolúvel do terrorismo. E tudo isto sem demagogia barata, sem manobras de propaganda vazia, sem autoritarismo, sem agressividade, sem exposição da vida privada nos media del corazon. É o meu herói.

sexta-feira, março 07, 2008

O vício do bisturi

Acabámos de ver mais um fascinante documentário de L. Theroux, um jornalista britânico fascinado pelo lado bizarro da vida contemporânea. E a cirugia estética, apesar de crescentemente banalizada com anúncios na tv, pagamentos a prestações e o patrocínio de celebridades de vão de escada, tem muito de bizarro. O que leva as pessoas a correrem risco de vida para remover as gordurinhas? A suportarem dores para esticar a pele? A penarem com convalescenças demoradas para rechear o peito? As transformações do corpo fazem parte da vida. O envelhecimento é inexorável e natural, que sentido tem querer ter aos 50 anos a pele, a figura, o cabelo dos 20? Para além de que muitas vezes o resultado deixa muito a desejar. Mesmo quando as operações não têm sequelas inesperadas, alguns pacientes ficam com o ar artificial, plastificado, de bonecos de cera, perdem expressividade, ganham formas improváveis.
Não há dúvida que a cirugia plástica é meritória quando corrige acidentes da natureza ou da vida, quando devolve um rosto a queimados ou quando corrige um lápio leporino. Mas quando só serve para perpetuar o mito do corpo perfeito, é só triste e fútil.

segunda-feira, março 03, 2008

E desde quando multicultural é uma dirty word?

Na minha ingenuidade, eu sempre achei que "multicultural" era a) um conceito das ciências sociais, que descreve um estado de coisas nas sociedades actuais ou b) uma coisa boa, um valor a ser preservado, uma atitude de tolerância (no sentido de abertura, não de "tolerar" os diferentes), uma adesão à natureza cosmopolita da vida. My mistake. Afinal (pelo menos para alguns, como o presidente da França e o chefe dos católicos portugueses) é uma coisa tenebrosa, uma afronta à identidade nacional, um risco temível para os bons europeus/franceses/portugueses.
E pronto, acabe-se já com os restaurantes indianos em Paris. Expulse-se os fiéis brasileiros das igrejas espanholas. Deporte-se as comunidades portuguesas na Venezuela. Expurgue-se a língua inglesa de todas as palavras que resultaram da crioulização. Proiba-se as especiarias dos pratos alemães. Silencie-se o Manu Chao das rádios europeias, quem nem se sabe bem de onde é que ele vem. Interdite-se a exportação de fatos italianos para Singapura. Mande-se de volta as enfermeiras ganesas que trabalham no serviço nacional de saúde britânico. Bana-se as séries americanas dos canais de televisão suecos. Repatriem os não nacionais do campeonato italiano.
Era um mundo muito melhor, não era?