domingo, fevereiro 25, 2007

Os meus óscares

Independentemente dos prémios atribuídos logo à noite, tenho para mim que o melhor filme americano de 2006 foi o Little Miss Sunshine. Numa casca de noz, representa a essência da américa contemporânea: a família de pequena classe média que luta para se manter à tona, as instituições clássicas das viagens interestaduais por estrada (os moteis, as estações de serviço), os perversos concursos de beleza infantis sintomáticos da busca desperada da fama. Um conjunto de personagens magníficas, brilhantemente disfuncionais entre si e com o mundo: o avô hedonista, o filho existencialista, o tio intelectual, a mãe trabalhadora, o pai vendedor de banha da cobra falhado, a filha patinho feio. É uma comédia indie, irreverente, que faz concessões ao obrigatório final feliz da forma mais hilariante possível.

















Mas não é o melhor filme do ano. Na minha imodesta opinião, a glória vai todinha, idiscutívelmente, para o Labirinto do Fauno. Uma mistura genial de conto de fadas gótico com drama político situado no mais triste episódio da história de Espanha. O argumento tem o encademento perfeito de um relógio, a fotografia é de uma beleza sublime, as personagens despertam-nos fortes emoções: ódio e fascínio pelo malvado capitão, admiração pela corajosa resistente, empatia com a frágil orfã que tem nas mãos a díficil tarefa de salvar um mundo perdido, salvar o irmão, salvar-se a si mesma. O que mais se pode querer de um filme?




terça-feira, fevereiro 20, 2007

Gosto desta série



Uma das pérolas da BBC, que não sei porquê nunca passou na televisão portuguesa: One foot in the grave. Narra as desventuras de um reformado rezingão e da sua sofredora mulher, a quem tudo de bizarro parece acontecer. Os deuses parecem apostados em aborrecer Victor Meldrew, lançando-lhe em sorte toda a espécie de adversidades, coincidências improváveis, acidentes fortuitos, face aos quais as suas ineptas respostas só agravam as consequências. Cínico, mal humorado, contestatário, mas claramente norteado pelo desejo de fazer a coisa certa, Victor vai-se enredando, episódio a episódio, numa teia de mal entendidos e efeitos impremeditados francamente hilariante. Humor negro, muito negro, muito britânico. My favourite.

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Vale a pena



A exposição de Candida Hoffer sai de cena no CCB no final desta semana, pelo que há que aproveitar os próximos dias. São umas dezenas de fabulosas fotografias, de grande dimensão, de espaços públicos em Portugal: teatros, palácios, bibliotecas, salas de espectáculo, igrejas. Magníficas salas vazias, fotografadas num enquadramento perfeito, em cores vibrantes, com efeitos de luz sublimes, uma nitidez espantosa. Serve para perceber que há sítios belíssimos nesta terra. E que a fotografia pode ser uma forma de arte arrebatadora.
Em contraponto, a outra exposição de fotografia, Besphoto. Felizmente que os clientes Bes não pagam, porque se este dragão tivesse dado um tostão que fosse pelo bilhete ficava francamente aborrecido. São expostos os trabalhos de quatro fotógrafos e contam-se pelos dedos de uma mão as fotografias que merecem mais do que um olhar de relance, quando a maioria é francamente horrorosa ou desinteressante. Uma mulher alemã que se fotografa a si própria com um barrete de borracha na cabeça, um tipo português que se fotografa a si próprio à espera do comboio (já não deve haver dinheiro para modelos), um filme de propaganda nazi pintado de vermelho (porquê?porquê?porquê?). Escapa uma instalação com fotografias antigas numa parede de damasco, "A mulher que casou cinco vezes", e uma das fotografias de Therezienstadt. Tudo o resto...

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Nostalgia


Carry me caravan take me away

Take me to portugal, take me to spain

Andalusia with fields full of grain

I have to see you again and again

Take me, spanish caravan

Yes, I know you can

Trade winds find galleons lost in the sea

I know where treasure is waiting for me

Silver and gold in the mountains of spain

I have to see you again and again

Take me, spanish caravan

Yes, I know you can


The doors

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Contos da modernidade avançada


Era uma vez uma série de televisão. Que a certa altura evoluiu para um jogo na internet. Que tem uma página na internet com um link para o website do fictício centro de investigação (que em nada se distingue de um centro real, com fichas de pessoal, de projecto, comunicados de imprensa). Que colabora com uma prestigiada organização científica canadiana, disponibilizando folhas informativas sobre a "ciência" por detrás de cada episódio.
Por cá passa quase despercebida, na Sic Radical, nas noites de terça feira. Mas é todo um hino à divulgação científica. Os cientistas são verdadeiros Indiana Jones de tubo de ensaio (e não chicote) em punho, viajando pelo mundo ou pelo seu laboratório a resolver mistérios, destapar conspirações, curar doenças, identificar bio-terroristas, travar epidemias. Depois claro que são humanos, têm dramas pessoais, vícios privados, problemas familiares.
Mas tem sobretudo ciência. O lado mais apelativo da ciência, que gera mais interesse, mais receio: o risco. Há a ciência vilã, que cria monstros, virulências, pragas, e a ciência heroína, que os combate, que os resolve, que torna a vida melhor.
A seguir, com atenção.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

sábado, fevereiro 03, 2007

Contos da modernidade avançada

Era uma vez os casamentos combinados entre famílias na Índia, prática ancestral e que não dá mostras de ceder face ao avanço do imperialismo cultural do Ocidente. Sim, só que agora os noivos procuram-se pela Internet. Consulta-se uma agência matrimonial e faz-se uma pesquisa numa base de dados para encontrar parceiro compatível: com a mesma casta, a mesma religião, a mesma língua e todas as outras características essenciais (a idade, a profissão, a educação, o rendimento, uma aparência agradável). Troca-se uns quantos emails, para aferir se a compatibilidade se confirma. Informa-se a família, que entra então em contacto com o potencial noivo. Se o candidato lhes agradar, é consultado um astrólogo, que verifica se os astros estão de acordo com o enlace. Só então é que a noive conhece efectivamente o noivo. E viverão felizes para sempre. Está tudo aqui. É assim a modernidade avançada.

Gosto deste livro


Agora que ganhou o Nobel, vai ser um sucesso de vendas. Mas não podia ser mais merecido. Se em anos anteriores não consigo de todo perceber os critérios do Comité sueco (ou nem sequer me interessa descobrir), desta vez só posso aplaudir. Quanto ao resto das obras, não sei (mas tenciono vir a saber), mas esta é uma jóia sem preço. Ao princípio estranha-se, depois entranha-se. As primeiras páginas causam alguma confusão, devido à pluralidade de narradores (sobretudo quando um deles é um contador de histórias que se põe na pele das suas variáveis personagens). Depois é alteridade do contexto da história, tanto no tempo como no espaço. Uma cidade (por ora ainda) desconhecida, há vários séculos atrás. E uma cultura diferente, que apesar de geograficamente não muito distante (colada à Europa, mais próxima que os Estados Unidos ou a Austrália), é pouco familiar: uma religião distinta, com preceitos distintos, uma sociedade com uma estratificação distinta, com uma estrutura de poder distinta, com uma história distinta, com tradições distintas, com uma vida quotidiana distinta. Ou talvez nem tanto.
As personagens são seres humanos, homens e mulheres, crianças, adultos e velhos, com paixões e ódios, interesses declarados ou escondidos, impulsos e estratégias, resistentes à mudança ou apaixonados por ela. Por isso, este romance é no fundo uma familiar história de crime, investigação e castigo. O que o torna fascinante são as questões mais vastas que servem de pano de fundo ao enredo: o confronto entre Ocidente e Oriente, o lugar da arte e dos artistas, o braço de ferro entre o poder religioso e o poder político, a procura da critividade e liberdade individual face aos constrangimentos do colectivo e da tradição.
Magistralmente bem escrito, poético, erudito e apaixonante. O que mais se pode pedir? A Deus pertence o Este e o Oeste.

Contos da modernidade avançada

Era uma vez um caçador furtivo que gravou o cantar dos pássaros com o seu telemóvel. Depois usava o toque do mesmo para atrair tordos, com o propósito pouco cristão de os caçar. Lamentavelmente (para ele, não para os tordos), foi caçado pela GNR esta semana. É assim a modernidade avançada.