sábado, fevereiro 03, 2007

Gosto deste livro


Agora que ganhou o Nobel, vai ser um sucesso de vendas. Mas não podia ser mais merecido. Se em anos anteriores não consigo de todo perceber os critérios do Comité sueco (ou nem sequer me interessa descobrir), desta vez só posso aplaudir. Quanto ao resto das obras, não sei (mas tenciono vir a saber), mas esta é uma jóia sem preço. Ao princípio estranha-se, depois entranha-se. As primeiras páginas causam alguma confusão, devido à pluralidade de narradores (sobretudo quando um deles é um contador de histórias que se põe na pele das suas variáveis personagens). Depois é alteridade do contexto da história, tanto no tempo como no espaço. Uma cidade (por ora ainda) desconhecida, há vários séculos atrás. E uma cultura diferente, que apesar de geograficamente não muito distante (colada à Europa, mais próxima que os Estados Unidos ou a Austrália), é pouco familiar: uma religião distinta, com preceitos distintos, uma sociedade com uma estratificação distinta, com uma estrutura de poder distinta, com uma história distinta, com tradições distintas, com uma vida quotidiana distinta. Ou talvez nem tanto.
As personagens são seres humanos, homens e mulheres, crianças, adultos e velhos, com paixões e ódios, interesses declarados ou escondidos, impulsos e estratégias, resistentes à mudança ou apaixonados por ela. Por isso, este romance é no fundo uma familiar história de crime, investigação e castigo. O que o torna fascinante são as questões mais vastas que servem de pano de fundo ao enredo: o confronto entre Ocidente e Oriente, o lugar da arte e dos artistas, o braço de ferro entre o poder religioso e o poder político, a procura da critividade e liberdade individual face aos constrangimentos do colectivo e da tradição.
Magistralmente bem escrito, poético, erudito e apaixonante. O que mais se pode pedir? A Deus pertence o Este e o Oeste.

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