sexta-feira, janeiro 28, 2005

Um livro e uma série


Um grande livro e uma grande série de televisão. Um olhar amargo e doce sobre a Inglaterra entre guerras. Uma história de amizade um tanto trágica, mas também é um retrato dos abismos de classe, de religião, de género. Evelyn Waugh é dos mais divertidos escritores deste período, mas há pouco humor nesta obra, a não ser as excentricidades de Sebastian. Ao breve verão de morangos e champanhe no campo sucede um longo outono nostálgico, de desencontros, incompreensões e separações nos cenários melancólicos de Londres, Veneza, um paquete transatlântico, o Norte de África. E a série contou com alguns dos melhores actores britânicos de várias gerações, do jovem Jeremy Irons ao Olivier em final de carreira. Inesquecível.

quinta-feira, janeiro 27, 2005

Os desafios agridoces de amar um gato

Os gatos são criaturas complexas e contraditórias, que despertam sentimentos ambivalentes no mais paciente dos donos. É fácil amar um gato quando ele caminha elegantemente pela casa, num bamboleio sereno e seguro. Quando ele se espreguiça, boceja e coça a orelha com a pata traseira. Quando ele dá marradas gentis nas pernas dos humanos. Quando se senta ao colo dos donos e exige festas. Quando ronrona se felicidade ao ser acariciado. Quando ele mia à porta a anunciar o regresso da família. Mas já é mais difícil amá-lo quando morde, arranha e sopra. Quando decide destruir uma peça de mobília. Quando ataca os donos à traição num corredor escuro. Quando mia insistentemente sem razão aparente, a exigir atenção e a perturbar as tarefas dos humanos. Quando desarruma a roupa no armário e derruba os objectos na estante. Quando espisoteia a família a meio da noite, à procura de um sítio mais confortável na cama. Talvez os gatos sejam no fundo crianças muito mimadas... pelo menos o gato cá de casa.

quarta-feira, janeiro 26, 2005

Recomendo



Fiel ao livro: à história, à moral, à caracterização das personagens. Visualmente deslumbrante. Ritmo enérgico. Boa escolha de cast. Que se lixem os críticos ignorantes com poleiro na imprensa.

segunda-feira, janeiro 24, 2005

Ontem como hoje

"... foi uma bela cerimónia, que eu penso não voltar a viver nada de semelhante, sobretudo se não voltar a sair de Portugal, o que não agradaria a Deus, pois a observação constante de um estado imperfeito é muito prejudicial ao espírito. Eu amo a minha pátria, como aqueles que a amam, mas não posso deixar de concluir que ela apenas merece um lugar na cauda da procissão da civilização ao lado da Espanha, do reino de Nápoles e da Grécia..." D. Pedro V, 1854 (in Filipa Lowndes Vicente, Viagens e exposições, D. Pedro V na Europa do século XIX)

domingo, janeiro 23, 2005

Gosto deste filme



Porque é bonito: a história, os actores, as paisagens, os bichos, a música, as espadas, os castelos, as igrejas. Porque eu sou um dragão muito romântico...

sexta-feira, janeiro 21, 2005

Um país de analfabetos e de doutores

Este país não vai longe. E o maior problema é de longe o da educação. Por um lado há uma massa apreciável de semi-analfabetos, que nem a escolaridade obrigatória completa, habilitada apenas para os trabalhos mais meniais, menos especializados, mais mal pagos, mais sujeitos ao desaparecimento mal a fabriqueta da terra fecha. E não são só as gerações mais perto da reforma, são adultos e mesmo jovens, condenados a uma existência precária e no tal limiar da pobreza.
Depois há os outros, a também considerável mole de licenciados inempregáveis, com cursos exdrúxulos, obtidos em universidades de duvidosa qualidade, com notas baixíssimas. Com parcos conhecimentos e limitadas capacidades, o mercado de trabalho só encontra lugar para eles em posições não qualificadas ou nas empresas dos pais ou amigos dos pais.
É estranhíssima a antipatia social gerada pelos cursos técnicos. Teremos todos de ser doutores? Porque é que se oferecem licenciaturas em áreas tão notoriamente profissionalizantes e/ou técnicas como secretariado, conservação e restauro, radiologia? Porque é que os politécnicos insistem em assemelhar-se a universidades, a criar mestrados e doutoramentos? Porque é que o ensino secundário é tão parco em cursos técnicos? Porque é que a educação universitária parece ser tão inevitável, mesmo para quem concluiu com muito pouco sucesso os graus anteriores?

quarta-feira, janeiro 19, 2005

Um dos homens da minha vida



Estava no meu livro de história, algures no ensino secundário. Enamorei-me da fotografia e do que ela representava: uma vida consagrada às letras, à arte de escrever, aos minuciosos hieroglifos egípcios.
Mas foi ao vê-lo de perto que me apaixonei mesmo. Este pequeno homenzinho sentado no seu cubo de vidro, velho de milhares de anos, tem um brilho nos olhos, um meio sorriso, uma serenidade sábia que me derreteu o coração. Depois de restaurado tem ainda melhor aspecto, um tom de pele mais uniforme, um ar de quase vida. Apetece levá-lo para a casa, sentá-lo no sofá, dar-lhe uma caneta para que cumpra o seu destino. É um dos homens da minha vida.

terça-feira, janeiro 18, 2005

Do que eu havia de me lembrar hoje...

Lá vem a nau Catrineta
Que tem muito que contar!
Ouvide, agora, senhores,
Uma história de pasmar.
Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.
Deitaram sola de molho
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija
Que a não puderam tragar.
Deitaram sorte à ventura
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão general.
-- Sobe, sobe, marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal.
"Não vejo terras de Espanha,
Nem praias de Portugal;
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar".
-- Acima, acima gajeiro,
Acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal
"Alvíçaras, capitão,
Meu capitão general!
Já vejo terra de Espanha,
Areias de Portugal.
Mais enxergo três meninas
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar".
--Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar.
"A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar".
-- Dar-te-ei tanto dinheiro,
Que o não possas contar.
"Não quero o vosso dinheiro,
pois vos custou a ganhar!
-- Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual.
"Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar".
--Dar-te-ei a nau Catrineta
Para nela navegar.
"Não quero a nau Catrineta
Que a não sei governar".
-- Que queres tu, meu gajeiro,
Que alvíçaras te hei-de dar? "
Capitão, quero a tua alma
Para comigo a levar".
-- Renego de ti, demônio,
Que me estavas a atentar!
A minha alma é só de Deus,
O corpo dou eu ao mar.
Tomou-o um anjo nos braços,
Não o deixou afogar.
Deu um estouro o demônio,
Acalmaram vento e mar;
E à noite a nau Catrineta
Estava em terra a varar.

segunda-feira, janeiro 17, 2005

Gosto deste quadro



Vermeer tinha o toque mágico para as cenas de interiores (mas a vista de Delft também é deslumbrante). Mas, pouco sensível às personagens e situações domésticas, é este (e o Geógrafo) o que mais me encanta. Tem todo o detalhe da luz, dos tecidos, dos gestos, dos objectos dos restantes quadros, com o adicional interesse da figura retratada: um astrónomo. É belíssimo e desconfio que vou encontrar lugar para ele na tese...

sábado, janeiro 15, 2005

Um livro, um filme, uma canção



Geralmente não gosto de adaptações de livros ao cinema. Nunca parecem ser suficientemente fiéis ao original. Mas este é uma excepção. Segue à letra a história, que é uma das mais belas e poderosas da literatura inglesa. Deu os rostos certos às personagens. Reproduz com fidelidade a atmosfera neo-gótica, ultra-romântica, tenebrosa do romance. Usa com mestria as desoladas paisagens dos moors do Yorkshire. Tem uma banda sonora outonal e assombrosa de Ryuichi Sakamoto.
Uma história de amor impossível, avassaladora, cheia de contradições, ódio e vingança, que perdura para além da morte e só alcança redenção nas gerações seguintes. Heathcliff e Cathy assombram ainda os amantes da literatura.
Há também uma canção famosa da Kate Bush, nomeada agora como uma das melhores canções britânicas de sempre.

sexta-feira, janeiro 14, 2005

Estoicismo face às contrariedades

Row, row, row your boat,
Gently down the stream.
Merrily, merrily, merrily, merrily,
Life is but a dream.

Embora não partilhe as crenças que lhe subjazem, há uma oração sábia, que pede "paciência para as coisas que não posso mudar, coragem para as que posso e sabedoria para distinguir a diferença".

quarta-feira, janeiro 12, 2005

And now for something completely different


monty_python_cast
Originally uploaded by Aloysius.
Confesso desde já uma parcialidade pela comédia inglesa (como por tantas outras coisas british). De uma lista longa de grupos, actores, séries e comédias, os Monty Python vêm certamente à cabeça. Há os sketches inesquecíveis: o ministério dos andares tolos, o papagaio morto, o cabelo na sopa, os leiteiros, a piada mortal, o homem com o nome mais longo, etc etc etc. Há as canções: do lenhador, dos católicos e protestantes, olhar para o lado bom da vida. Há os filmes: o sentido da vida, o cálice sagrado, a vida de Brian. Há as carreiras a solo como actores, realizadores, escritores, apresentadores de programas de viagem, cantores. Mas o conjunto é algo superior à soma das partes. Eles foram geniais e transformaram o modo como se faz comédia e mesmo como se vê comédia. Nobody expects the spanish inquisition!

terça-feira, janeiro 11, 2005

Looking forward

Neste início do ano, é tempo de olhar para a frente. Há uma série de coisas no futuro que antecipo ansiosamente: re-visitar Estocolmo, escrever a tese e defendê-la, arranjar um emprego de gente ou mais uma bolsa, o 60º aniversário da minha mãe, saber o resultado das eleições de Fevereiro, ler a pilha de livros ingleses que tenho estado a açambarcar, ver crescer o meu lindo gato, concretizar o meu projecto de exposição, não me zangar com nenhum dos meus amigos. E gozar a companhia do meu dragão verde.

sábado, janeiro 08, 2005

Gosto deste livro


waverley
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Não há quem não goste das novelas aventurosas de Walter Scott. Algumas até foram adaptadas para cinema, teatro e ópera. Esta não é das mais conhecidas mas para mim é das melhores. Tem todos os ingredientes do costume: castelos, lutas de espadas, guerras, perseguições, histórias de amor. Mas decorre num período histórico particularmente interessante, a tentativa de restaurar no trono britânico um rei católico no início do século XVIII. Passeia-se como personagem secundária pela acção uma das figuras mais trágicas da época, o jovem e belo filho do pretendente, conhecido como Bonnie Prince Charlie, que goradas as hipóteses de uma victória militar, foge em condições ignomiosas e vai acabar os seus dias em desgraça em paris, gordo, fútil e feio. Mas o herói é Waverley, um jovem militar, apanhado nas convulsões da história, que vê a sua lealdade dividida entre a pátria e a amizade que tece com alguns rebeldes. Uma leitura verdadeiramente entusiasmante.

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Os homens da minha vida


freddie
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A minha galeria de ídolos não é muito grande mas este é de facto o principal. Gosto da música, gosto do espectáculo, gosto do personagem. Era um sujeito cheio de accomplishments: desenhava, tocava piano, cantava numa série de línguas, coleccionava porcelana chinesa e gatos, era apreciador de ópera e bailado. Teve uma vida cheia de actividades: estudante de artes visuais, vendedor de roupa usada, estrela de rock. Nasceu num lugar mágico, Zanzimbar, de pais persas e professava uma religião exótica, o zoarastrismo, mas possuía uma englishness quintessencial. Camaleónico, não sei ao certo qual o visual que mais me agrada nele: diva glam, de cabelos longos e fatos de cetim colantes, gay machão de jeans justos, camisola de alças e bigode handlebar, cronner charmoso de fato e sapatos de tennis. Tinha uma voz versátil e um talento único para escrever canções muito diversas, do hard-rock ao music-hall, passando pelas baladas românticas, pelos hinos de estádio e pelos arremedos de canto lírico. Foi único, foi original e é um dos homens da minha vida.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Algo de bonito para variar


Ophelia
Originally uploaded by Aloysius.

Queen - One woe doth tread upon another's heel,So fast they follow. Your sister's drown'd, Laertes.

Laer. -Drown'd! O, where?

Queen - There is a willow grows aslant a brook,
That shows his hoar leaves in the glassy stream.
There with fantastic garlands did she come
Of crow-flowers, nettles, daisies, and long purples
That liberal shepherds give a grosser name,
But our cold maids do dead men's fingers call them;
There, on the pendent boughs her coronet weeds
Clamb'ring to hang, an envious silver broke,
When down her weedy trophies and herself
Fell in the weeping brook. Her clothes spread wide,
And, mermaid-like, awhile they bore her up;
Which time she chanted snatches of old tunes,
As one incapable of her own distress,
Or like a creature native and indued
Unto that element. But long it could not be
Till that her garments, heavy with their drink,
Pull'd the poor wretch from her melodious lay
To muddy death.

Laer.- Alas, then, is she drown'd?
Queen. Drown'd, drown'd.

terça-feira, janeiro 04, 2005

O infame cartaz


cartaz
Originally uploaded by Aloysius.
Quase tenho remorsos de pôr carantonhas tão feias no nosso blogue tão bonitinho. Que ideia tão estranha, convocar os mortos políticos e os mortos de facto para ombrearem com o sujeitinho que nos cobriu a todos de vergonha nos últimos meses. O fundo faz lembrar o cartaz do filme "os super-heróis", as fotografias a preto e branco não lhe dá um estilo retro mas sim antiquado, a disposição dos personagens não segue qualquer lógica que não a de dar relevância ao mártir/messias Sá Carneiro e pôr no mesmo plano o sebastiânico Cavaco e o esperançoso candidato. Eu de facto também não me quereria ver nesta galeria de múmias... mais um ponto para o Professor.

segunda-feira, janeiro 03, 2005

Gosto deste filme


lv
Originally uploaded by Aloysius.
The lady vanishes é um dos filmes da fase britânica de Hitchcock. Entre a comédia e o suspense, é uma pérola deliciosa de mistério, romance, mal entendidos e intriga internacional. No cenário restrito de uma viagem de comboio por uma imaginária Europa Oriental, evoluem um herói relutante, uma heroína teimosa, a improvável velhota espia, o par de fleumáticos e egoístas ingleses, os vilões sinistros. Tudo acaba em bem, como de costume e estão presentes muitos dos temas e artíficios recorrente na carreira do realizador. E para quem tem banda larga, pode-se assistir aqui ao filme.